Confira o estudo feito pelo
Pr. Valdo Romão
sobre anistia às igrejas e templos.
Permitam-me tocar no tema objeto do veto do presidente, sobre a questão colocada como anistia às igrejas. Importante esclarecer que, venho militando sobre as questões tributárias voltadas às igrejas há mais de 47 anos, como contador e advogado. Tive a oportunidade de ser preletor em 5 encontros dos Executivos Batistas do Brasil e toquei no tema. Tenho inclusive, uma obra editada pela Editora Atlas, agora GEN, na sua 4a. Edição, com o título: Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas. Há inclusive nesta obra dois capítulos que trato do assunto: Capítulos 5 e 6 – Terceiro Setor – A Imunidade Tributária e a Isenção e A Proibição de Instituir Impostos sobre Templos de Qualquer Culto, Instituição de Educação e de Assistência Social, respectivos.
- Início fazendo referência a diferença que existe entre imunidade e isenção.
1.1. Imunidade, se apresenta como uma garantia constitucional, isto é, a imunidade é a proibição garantida constitucionalmente que impede os poderes tributadores, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de instituir tributo em relação a certas pessoas, entes ou em determinadas situações.
1.2. Já a isenção é um favor legal, que a qualquer momento, pode ser retirado. A isenção dá-se por lei ordinária. A imunidade está no texto da Constituição Federal.
- Outra questão importante é a diferença entre tributos e impostos.
2.1. Tributo é uma prestação pecuniária compulsória que não constitui sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, assim está no art. 3o. do Código Tributário Nacional. O Tributo é gênero e têm diferentes espécies.
2.2 Espécies de tributos: os tributos mais conhecidos são: imposto, a taxa e a contribuição de melhoria. Ainda o nosso sistema tributário admite os empréstimos compulsórios e as contribuições parafiscais (contribuições para seguridade social e as contribuições gerais, as contribuições para as classes profissionais).
- Aqui apresenta-se a oportunidade de dizer, de qual espécie de tributo às igrejas estão imunes.
3.1. O artigo 150 da Constituição Federal de 1988, assim está “in verbis”:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – Instituir impostos sobre:
(…)
b) templos de qualquer culto;
Ainda no mesmo art. 150 está:
Parágrafo 4o. – As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
- Destaco que a imunidade alcança apenas a espécie do tributo chamada imposto. Nenhuma outra espécie de tributo.
- Assim mesmo, a Constituição garante a imunidade se o contribuinte cumprir alguns requisitos previstos no Código Tributário Nacional, art.9o. e 14. Que cito “in verbis”
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – Instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto à majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65;
II – Cobrar imposto sobre o patrimônio e a renda com base em lei posterior à data inicial do exercício financeiro a que corresponda;
III – Estabelecer limitações ao tráfego, no território nacional, de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais;
IV – Cobrar imposto sobre:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
b) templos de qualquer culto; (destaque nosso)
(…)
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – Não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)
II – Aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – Manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
- Como pode se ver fica claro que às organizações religiosas (igrejas, sinagogas, mesquitas, terreiros de umbandas, etc) estão imunes do tributo chamado imposto. O que já não ocorre com outras espécies de tributos, desde que atendam as condições previstas no Código Tributário Nacional, lei 5.172, de 25 de outubro de 1966.
- O que há por trás de toda essa questão que, suscitou o assunto: veto ou não do presidente para anistiar às igrejas? Em Nota Pública sobre o PL1581, relativo à cobrança de CSLL às igrejas e à anulação de autuações pretéritas, elaborada pelo Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJUR, com data 11 de setembro de 2020, assinada pelo Dr. Uziel Santana Presidente da ANAJURE e pelo Dr. Felipe Augusto, Diretor Executivo da ANAJURE, a Nota feriu o tema, que aqui cito, faço algumas considerações e apresento a sua fundamentação e a sua conclusão:
7.1. Visando deixar claro quanto ia não incidência da cobrança da Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) e da Previdência Social da remuneração dos ministros de confissão religiosa, o assunto foi objeto do Projeto de Lei n. 1581/2020 e este recebeu algumas emendas, dentre elas, a de n. 1, elaborada pelo Deputado Federal David Soares (DEM/SP).
No texto, o parlamentar propôs que a Lei n. 7.689, de 1988, que institui a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, (CLSS) seja modificada para constar, no seu art. 4º, que os templos de qualquer culto não sofrem a incidência do tributo, nisso compreendidos apenas o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais dos referidos estabelecimentos.
7.2. Além disso, propôs que as autuações que fixaram a incidência da CSLL no tocante às atividades relacionadas às finalidades essenciais dos templos religiosos sejam consideradas nulas.
7.3. Também inseriu alteração a ser feita na Lei n. 8.212/1991, que dispõe sobre a Seguridade Social, propondo que o contido no § 14, do art. 22, da Lei n. 8.212/1991 (inserido pela Lei n. 13.137/2015) se aplique aos fatos geradores anteriores à data de vigência da Lei n. 13.137, de 19 de junho de 2015, sendo nulas as autuações contrárias à regulamentação trazida pela Lei n. 13.137/2015.
7.4. O § 14, do art. 22, da Lei 8.212/1991 fornece interpretação para o § 13 do mesmo artigo. O § 13 fixa que não se considera como remuneração direta ou indireta os valores despendidos pelas entidades religiosas com ministros de confissão religiosa para sua subsistência desde que fornecidos em condições que independam da natureza e da quantidade do trabalho executado.
7.5. O § 14 trouxe, no inciso I, que os critérios informadores dos valores despendidos pelas entidades religiosas aos ministros de confissão religiosa não são taxativos e sim exemplificativos. O inciso II estabeleceu que os valores despendidos, ainda que pagos em forma e montantes diferenciados, em pecúnia ou a título de ajuda de custo de moradia, transporte, formação educacional, vinculados exclusivamente à atividade religiosa, não configuram remuneração direta ou indireta.
7.6. Como justificativa para a Emenda proposta, o Deputado David Soares (DEM/SP) indicou que as entidades religiosas estariam sendo alcançadas por autuações equivocadas que praticamente inviabilizam a continuidade dos serviços por elas prestados.
7.7. O Projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. E foi encaminhado para o Presidente, que por sua vez vetou. O veto do Presidente poderá ser derrubado pelo Congresso Nacional, aliás, foi até sugerido por ele.
7.8. No tocante aos dispositivos referentes às entidades religiosas, o texto encaminhado ao Chefe do Executivo foi este:
Art. 8º O art. 4º da Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 4º São contribuintes as pessoas jurídicas estabelecidas no País e as que lhe são equiparadas pela legislação tributária, ressalvadas as vedadas na alínea “b” do inciso VI do caput do art. 150 da Constituição Federal, na forma restritiva prevista no § 4º do mesmo artigo.
Parágrafo único. Conforme previsto nos arts. 106 e 110 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), passam a ser consideradas nulas as autuações feitas em descumprimento do previsto no caput deste artigo, em desrespeito ao disposto na alínea “b” do inciso IV do caput do art. 150 da Constituição Federal, na forma restritiva prevista no § 4º do mesmo artigo.” (NR)
Art. 9º O art. 22 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescido do seguinte § 16:
“Art. 22. …………………………………………………………………………………
Conforme previsto nos arts. 106 e 110 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), o disposto no § 14 deste artigo aplica-se aos fatos geradores anteriores à data de vigência da Lei n. 13.137, de 19 de junho de 2015, consideradas nulas as autuações emitidas em desrespeito ao previsto no respectivo diploma legal.” (NR)[2].
7.9. Toda controvérsia surgiu após a aprovação do texto no Senado Federal, a imprensa começou a noticiar o avanço do projeto de lei, indicando que o Governo Federal estaria prestes a conceder um perdão bilionário às igrejas. A informação de que a dívida das igrejas chegaria a um bilhão foi fundamentada em levantamento do Estadão, replicado pelos demais sites. Comentando o ocorrido, o Estadão divulgou que o “Congresso perdoa dívidas de R$ 1 bilhão de igrejas.
7.10. Embora esta seja a manchete, no corpo da notícia, temos este dado: “Hoje as igrejas têm ao todo R$ 1,5 bilhão em débitos inscritos na Dívida Ativa. O perdão, no entanto, valeria apenas para as autuações sobre não pagamento de CSLL e contribuição previdenciária. A consulta pública da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) mostra que os templos acumulam R$ 868 milhões em dívidas previdenciárias de qualquer espécie (não necessariamente apenas sobre prebenda), mas não detalha débitos da CSLL”
7.11. Ou seja, o PL 1581 – que não estabelece “perdão de dívidas” – trata da CSLL e de contribuição previdenciária excepcionalmente incidente sobre prebendas. O valor de um bilhão de reais, informado pelo Estadão, por sua vez, diz respeito a todos os débitos inscritos na Dívida Ativa da União: débitos previdenciários, débitos tributários, débitos não tributários, multas trabalhistas, dentre outros valores.
7.12. Importa esclarecer, então, que valores devidos a título de CSLL e da referida contribuição previdenciária correspondem apenas a uma fração do valor total inscrito na Dívida Ativa. Desse modo, a sanção do PL 1581, se ocorresse, não ensejaria “perdão” de um bilhão de reais, seja porque as cifras relacionadas à CSLL e à contribuição previdenciária não atingem esse montante (que está vinculado ao total da dívida, consideradas outras espécies de débitos), seja porque, nos casos identificados de desvirtuação da finalidade essencial das instituições, continuará havendo cobrança dos valores devidos. Diante disso como conclusão da Nota. Segue “in verbis”:
“a) As atividades religiosas não devem ser confundidas com atividades econômicas geradoras de lucros, uma vez que os valores incorporados pelas igrejas a título de dízimos e ofertas não são impulsionadores de atividades comerciais, servindo, como regra, para a manutenção dos templos, para o pagamento de valores destinados à subsistência de obreiros, para o custeio de iniciativas de cunho evangelístico e para a capacitação espiritual de membros e líderes, dentre outras, tarefas estas desprovidas de intuitos de lucro.
b) Não havendo persecução nem geração de lucro, não há fato gerador que justifique a incidência da CSLL;
c) A desvirtuação das finalidades essenciais das instituições religiosas pode ensejar a cobrança de tributo, seja CSLL, seja contribuição previdenciária, não havendo modificação, nesse sentido, trazida pelo PL 1581, visto que este alcança unicamente as igrejas que atuam em conformidade com suas finalidades essenciais;
d) Autuações que impuseram pagamento de CSLL ou de contribuição previdenciária a igrejas que atuavam em conformidade com suas finalidades essenciais devem ser tidas por nulas, exceto se fundadas em outras razões;
e) Autuações que identificaram igrejas atuando em desvirtuação de suas finalidades essenciais devem ser mantidas, havendo continuidade das apurações e aplicação dos tributos e eventuais sanções devidas”.
7.13. É de fundamental importância registrar que, exatamente pelo desvio de finalidade, constatadas nas igrejas, têm ocorrido autuações. Inclusive com inscrições na dívida ativa, faço aqui algumas considerações, senão vejamos:
Quais são as finalidades das igrejas?
a) reunir-se regularmente para o culto de adoração a Deus, tendo em sua sede reuniões para orações, estudos da Bíblia e pregações do Evangelho de Jesus Cristo;
b) proclamar a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo, por todos os meios ao seu alcance visando à expansão do reino de Deus entre os homens;
c) cultivar a fraternidade e a cooperação com as outras igrejas, quando para isso não seja necessário desobedecer a qualquer preceito da Bíblia nem ofender a consciência dos membros da Igreja.
7.14. Como se vê a igreja tem finalidade espiritual. Cuida do Espírito. Se ela fugir desses objetivos estará fora das suas finalidades;
7.15. A prática tem mostrado que igrejas tem realizado empréstimos de recursos, advindos dos dízimos e ofertas. A mídia publicou que, igreja emprestou dinheiro para compra de Rede de TV, isso foge as finalidades dela. Por isso ela pode perder a imunidade. Surge dessa prática, autuações;
7.16. Igrejas doam altos recursos para os seus pastores e até doam carros para os seus pastores, isso também é ilegal, dá em autos de infração, perde-se a imunidade tributária. Os seus recursos e patrimônio deve ser aplicado nas suas finalidades;
7.17. Pastores têm constituído empresas com CNPJ para receberem seus “proventos” e ao receber emitem notas fiscais, tudo para fugir do imposto de renda pessoa física. Isso é o jeitinho, primeiro não é ético, se tem no caso um crime o de simulação. Aqui entra altos valores que são documentados na contabilidade com nota fiscal, as vezes disfarçado de honorários de palestras dadas, ou honorários de atividades profissionais, como: administrador, consultor, etc. Essa prática a Receita já autuou, aqui é mais um ponto de dívida das igrejas. O vínculo do pastor com a igreja, desaparece, não se trata mais de ministro de confissão religiosa, de um vocacionado, e sim um vínculo comercial. Tenho alertado quando a isso;
7.18. Sabe-se que a igreja não tem qualquer contribuição sobre os proventos pastorais, da contribuição previdenciária sobre essa rubrica ela tem isenção. Lembre-se trata-se de um favor legal, que pode ser tirado a qualquer momento. Não há aqui imunidade;
7.19. Sendo assim, igrejas que tem escolhido andar pelos caminhos do jeitinho, têm sido fiscalizadas e autuadas, aparece assim dívidas por multas e apurações de contribuições previdenciárias;
7.20. Outras igrejas de maneira irregular se tornaram comércios. Desvirtuando suas finalidades. Não sabem que a pessoa jurídica igreja têm finalidades distintas, e suas finalidades têm imunidade, se seguirem o que a elas lhes são pertinentes. Elas Cuidam das questões espirituais dos homens. Se fizerem comércio são passíveis de multa e perda da imunidade tributária. Já tem havido muitas infrações. Aqui entra a cobrança da CSLL, objeto da controvérsia. Soma-se com isso uma dívida representativa perante o Estado;
7.21. E o que dizer de igrejas que não registram os seus empregados, desconsideram os direitos trabalhistas e previdenciários dos seus empregados. Não recolhem FGTS, Previdência Social, PIS sobre folha de pagamento. Todas obrigações devidas que não são nem imunes, nem isentas.
Com base no acima exposto, às igrejas têm os seus direitos garantidos para poderem desenvolver suas finalidades. Não há necessidade de perdão de dívidas, de anistia alguma, desde que registrem suas receitas e despesas, seguindo os padrões da lei, sem jeitinho. O Brasil, por ser um país laico, e por prever em sua Carta Magna a liberdade de consciência e de religião, não pode impor ônus sobre as igrejas, impedindo que cumpram com suas legítimas finalidades, sob pena de possibilitar a elas o caminho da busca da defesa dos seus direitos constitucionais.
É o que penso.
Pr. Valdo Romão
Advogado